Ao longo da história, ingredientes e temperos desempenharam papéis cruciais em grandes transformações econômicas, culturais e até políticas ao redor do mundo. Da sedutora pimenta do Oriente, que impulsionou as grandes navegações, às cobiçadas trufas, que continuam a atrair chefs e gourmets para as regiões mais remotas da Itália, muitos itens transcenderam sua função de simples aditivos culinários – tornando-se símbolos de luxo, sofisticação e, acima de tudo, de uma rica herança cultural.
Com o passar dos séculos, no entanto, outros produtos também brilham como verdadeiras joias da gastronomia e são comercializados a preços elevados. Alguns se destacam por sua raridade, outros pela complexidade do processo de produção. É o caso da miski, uma resina vegetal amplamente utilizada em doces árabes, ou do wasabi fresco, que exige um clima específico para seu cultivo e leva anos para atingir seu ponto ideal de colheita.
Descubra mais sobre essas e outras preciosidades gastronômicas que continuam a fascinar cozinheiros ao redor do mundo.
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- Colatura di Alici
Colatura de Alici está na lista de ingredientes “mais caros” da gastronomia • Mário Rodrigues Produto típico da cidade de Cetara, na província de Salerno, a Colatura de Alici é uma espécie de líquido de cor amarelo-âmbar que é obtido a partir das anchovas salgadas e desidratadas. “É um subproduto da produção de alici. Eles colocam os peixes dentro das barricas de madeira e vão salgando para desidratar. O líquido que sai é coletado e tratado”, explica o chef Andre Mifano, do restaurante italiano Donna.
A colatura é um ingrediente versátil e que pode ser usado em praticamente qualquer coisa. “Podemos usar para temperar um tartar, para finalizar uma pasta ou colocar em cima de saladas”, diz o chef. O segredo da colatura, cujo litro pode custar em torno de 2 mil reais, é que ela traz o sabor intenso da anchova, porém mais refinado e delicado e não tão salgado. “E, como é um líquido, você consegue incorporar muito melhor em um molho ou um vinagrete, por exemplo.”
- Pinoli
Carpaccio di Manzo finalizado com pinoli na osteria Nonna Rosa, em São Paulo • Mário Rodrigues Originário do mediterrâneo, o pinoli é uma castanha que vem da pinha do Pinheiro-manso, árvore típica daquela região. A semente é levemente crocante e picante, sendo muito utilizado nas culinárias italiana e do Oriente Médio, onde ganha o nome de snoubar. “Podemos usar de diferentes formas, para finalizar um prato ou no recheio de uma massa”, explica o chef Gabriel Marques da Osteria Nonna Rosa.
Na culinária italiana, o pinoli é um ingrediente indispensável no pesto genovese. “Ele agrega muito sabor, pois é uma gordura extremamente rica”, afirma o chef. Segundo Marques, o elevado valor do pinoli se deve à dificuldade de extração, à alta demanda e ao fato de ser um produto importado para o Brasil, o que eleva ainda mais seu preço devido às taxas e custos de transporte. O quilo do produto pode variar de R$ 500 a mais de R$ 2.000, dependendo da origem e da qualidade.
- Wagyu
Os entusiastas da boa mesa conhecem bem esse nome. Afinal, trata-se de uma carne de origem japonesa com status de iguaria, que ganhou projeção pela criação diferenciada do gado – o que em alguns casos chega a incluir música e massagens.
Rabada de Wagyu do Varanda D.inner • Henrique Peron Mas o que faz o wagyu se destacar, de fato, é seu altíssimo grau de marmoreio. Isso significa que o animal é capaz de realizar um armazenamento de gordura intramuscular superior ao de outras raças, o que confere aos cortes mais maciez, suculência e sabor. A alimentação farta e cuidadosamente balanceada, rica em amido, também ajuda. E tudo isso se reflete no preço: uma peça pode chegar a custar mais de R$ 1 mil. “É caro porque é raro”, resume o chef Fábio Lazzarini, à frente de seu autoral Varanda D.inner.
Rico em umami, o tal “quinto gosto”, hoje o wagyu é consumido de diferentes jeitos, desde finamente fatiado e cozido em um rico caldo até na forma de um belo filé ou mesmo hambúrguer.
- Açafrão
Apesar de terem o mesmo nome e cor, o açafrão-da-terra e o açafrão são duas especiarias bem diferentes. O primeiro, que também leva o nome de cúrcuma, tem origem asiática e é produzido a partir de uma raiz parecida com o gengibre. É um produto facilmente encontrado nos mercados a um preço acessível.
Robalo ao molho de açafrão do Nou Restaurante • Rodolfo Regini Já o açafrão é feito do estigma de uma flor chamada Crocus Sativus, típica do Oriente Médio, na região do Mediterrâneo. De cada flor são retiradas manualmente apenas três estigmas, uma parte muito fina e delicada. “O processo de extrair o pistilo das flores dá muito trabalho para se extrair tão pouco. O rendimento é muito baixo, por isso é tão caro”, explica o chef Amílcar Azevedo do restaurante NOU. Estima-se que para produzir apenas 1kg de açafrão é necessário colher milhares de flores, e apenas 1 grama chega a custar facilmente mais de R$100.
Esse ingrediente raro é muito utilizado em pratos espanhóis, como a paella, e em receitas de origem mediterrânea e do norte da África. “Ele tem um sabor bem marcante, apesar de ser delicado. É um gosto meio terroso e mineral que você identifica quando bem utilizado, não se confunde muito com outros sabores”, completa o chef.
- Miski
A miski, também conhecida como mastiha, é uma resina extraída da árvore de mástique. Essa espécie pode ser encontrada na região do Mediterrâneo, mas somente na Ilha de Chios, na Grécia, ela produz as chamadas “Lágrimas de Chios”, gotas de seiva que ficam penduradas na árvore. “Existem referências sobre o uso da miski na Grécia Antiga em textos do século 5 a.C. Ela era muito valorizada por suas propriedades medicinais e também era usada como goma de mascar”, comenta Fernanda Kuczynski, à frente do restaurante Arábia.
The Med, drinque do Arábia que leva Miski • Pedro Shutter Hoje, um único grama da iguaria chega a ser vendido em supermercados mais sofisticados por mais de R$ 20 – ou seja, 2 mil reais o quilo! Além de estar presente na cultura e gastronomia grega, a miski ganhou popularidade em outros países da região, como Turquia e Líbano, onde ela é muito utilizada no preparo de doces. Essa iguaria também faz sucesso na forma de licor, que é consumido como aperitivo ou como ingrediente de coquetéis de inspiração mediterrânea.
- Wasabi fresco
“O wasabi fresco é considerado uma joia gastronômica por três motivos principais: raridade, sabor e capacidade de transformar qualquer prato”, diz o chef Tsuyoshi Murakami, à frente do Murakami, restaurante japonês autoral localizado nos Jardins e ganhador de uma estrela Michelin.
Tirashi do premiado restaurante Murakami, em SP, que só utiliza wasabi fresco na finalização de seus pratos • Divulgação Diferente das versões industrializadas, que muitas vezes levam corantes e custam algumas poucas dezenas de reais, a iguaria verdadeira se chama Eutrema wasabi e o quilo chega perto dos R$ 10 mil. Ele tem uma picância bem delicada, mas marcante, com um toque herbáceo e até certa doçura. “O gosto é único e usado para uma finalidade fundamental na culinária japonesa: realçar o frescor do peixe cru e equilibrar a gordura de alguns cortes, como atum.”
Em seu restaurante, Murakami utiliza o wasabi fresco para dar o toque final em preparações especiais e elevar a complexidade das receitas. “É um ingrediente raríssimo, porque exige cultivo e clima específicos, e leva anos para crescer. Então, é realmente um verdadeiro luxo tê-lo à mesa”, completa.
- Lúpulos Neozelandeses
De maneira geral, os lúpulos são usados na produção de cerveja. O mestre-cervejeiro do Tank Brewpub, Rodrigo Louro, explica que eles servem para trazer as notas amargas da bebida. “Assim, se faz uma contrapartida com o doce residual que existe no líquido fermentado de cerveja, minimizando essa sensação de dulçor.”
Franfrito e chope da Tank Brewpub • Fábio Comolatti No caso dos lúpulos da Nova Zelândia, eles têm como principal característica sensorial oferecer aroma de sabores bem tropicais, como manga, pêssego, maracujá e goiaba – diferentemente dos europeus, mais herbais e um pouco condimentados. “Os neozelandeses são caros porque são produzidos em pequena quantidade. A baixa oferta e alta demanda por ser um produto diferenciado e aromático encarecem ainda mais o produto.” Segundo ele, enquanto um lúpulo tradicional alemão custa por volta de R$ 150 o quilo, o que vem do país da Oceania é vendido por até R$ 800.
- Trufas
Dos ingredientes considerados verdadeiras joias gastronômicas, poucos são tão cobiçados como as trufas. Espécie de fungo que nasce nas raízes de árvores, sobretudo na Itália e na França, elas são extremamente difíceis de serem encontradas e têm um sabor marcante, considerado difícil de se descrever.
Ravioli di Boursin com trufas da Tartuferia San Paolo • Juliana Primon As trufas podem ser brancas ou negras, como a Trufa Negra de Norcia, também chamada de Tartufo Nero Pregiato, que aparece de dezembro a março. “A Trufa Negra de Norcia, da região de Umbria, é uma trufa negra nobre, que possui grande versatilidade culinária”, conta Monica Maia Claro, à frente da Tartuferia San Paolo, restaurante italiano especializado em trufas. “Ela caracteriza-se pela superfície mais rugosa e por maior resistência ao manuseio e ao leve aquecimento.”
Sugere-se utilizar a iguaria, cujo preço das mais nobres pode chegar a R$ 70 mil o quilo, em finíssimas lâminas sobre os pratos ou em alguma preparação levemente aquecida, pois assim seu sabor é liberado e intensificado. “Podem ser laminadas em pratos com ovos, risotos, massas e inclusive em carnes ou pescados. O formato irregular pode variar entre o tamanho de uma noz e o de uma batata grande. Seu aroma e sabor lembram mel, chocolate e avelã”, finaliza Monica.
- Bitters
Os bitters são bebidas à base de ervas, raízes e especiarias, comumente utilizados para dar nuances de sabor no drinque ou ressaltar algum de seus ingredientes. “Várias marcas utilizadas hoje eram vendidas como medicamentos, pois eles têm propriedades digestivas”, lembra a bartender Cris Negreiros, do bar Oculto.
Drinque Ruby Manhattan, combina Bulleit Bourbon com Porto Ruby, Liqueur n°11 Pêche, solução málica e Bitter Aromático n°2 Sementes do Oculto Bar • Ana Schad Na coquetelaria, os bitters são usados como uma espécie de tempero. “São adicionadas pequenas quantidades nos drinques, chamadas de ‘dashes’.” Os bitters são muito versáteis e podem ser utilizados em uma infinidade de combinações, desde opções mais tropicais, como o Bermuda Rum Swizzle, até coquetéis mais intensos, como o Manhattan.
Seu preço elevado se deve aos impostos de importação e à baixa demanda. Uma garrafinha de 100 mililitros de Angostura, um dos mais populares, sai por cerca de R$ 150 no mercado – o que dá R$ 1,5 mil por litro. “Pouquíssimos bares têm giro considerável de bitters”, afirma Cris. Quase não há produtores no Brasil, mas alguns que temos são de criação própria, o que permite desenvolver combinações únicas”.
- Ovas
“Todo caviar é uma ova, mas nem toda ova é um caviar”. Isso é o que explica o chef Thiago Cerqueira, do bar O Carrasco. Símbolo de luxo, o verdadeiro caviar é só um dos tipos de ovas de peixes amplamente utilizadas para composição e finalização de pratos.
Crudo de Atum e Búfala com ovas do bar O Carrasco • Rodolfo Regini “As ovas de tainha, quando são curadas, viram a bottarga, que pode ser usada ralada ou fatiada, como os japoneses comem”, conta Cerqueira. “Já as ovas de salmão, assim como o caviar, podem ser consumidas cruas ou para finalizar os pratos.”
De sabor marcante e único, esse ingrediente tem alto valor agregado pela dificuldade de produção. No caso do caviar, ele é ainda mais valorizado pois é extraído de algumas variedades específicas de esturjões euroasiáticos e norte-americanos, e as ovas não podem ter sido fecundadas. Por um potinho com pouco mais de 100 gramas, pagam-se até 6 mil reais. O caviar branco é ainda mais raro, já que as ovas são albinas e retiradas do esturjão siberiano.
- Baunilha
A verdadeira baunilha é uma das especiarias mais desejadas no mundo da confeitaria. Mas o que faz essa baunilha tão cara? O processo de cultivo e produção é longo e meticuloso. A planta, uma orquídea, cresce melhor em condições tropicais específicas, como as encontradas em Madagascar. Porém, o Brasil já tem produção de baunilha que cresce a cada ano.A polinização das flores, normalmente, é feita manualmente, já que as abelhas naturais da região não existem em grande número. Após a colheita, as vagens passam por um processo de cura que pode durar até seis meses, desenvolvendo um sabor profundo e complexo. Em média, um quilo dessa especiaria pode custar até R$ 6.000.
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